Tomei a iniciativa de enviar ao Presidente e aos
Membros do CG uma reflexão pessoal sobre a minha experiência no CG. Esta minha
reflexão foi agendada pelo Presidente do CG para o período de antes da ordem de
trabalhos da reunião de 11 de dezembro. Partilho aqui com a comunidade UP a
minha análise crítica.
A meio caminho do meu
mandato como conselheiro da UP, eleito em representação dos professores, é este
o tempo que julgo oportuno para uma reflexão pessoal sobre o CG, sobre as suas
conquistas e as suas disfuncionalidades.
CONQUISTAS DESTE CG
1. Derrota do Regulamento
Aprovado pelo Anterior CG, o qual Propunha Substancial Perda de Autonomia das
Faculdades
A primeira questão com
que o atual CG se confrontou foi a implementação do “Regulamento da UP”, o qual
tinha sido elaborado e aprovado pelo anterior CG. Esse documento previa uma
transformação radical na governação da UP: a Universidade passaria a ter uma gestão de
tipo empresarial, em que o Reitor seria o todo-poderoso CEO da empresa Fundação
UP. Passaria a ser o CEO/Reitor a nomear e a demitir os diretores das
Faculdades e determinar a distribuição do financiamento por cada Escola.
Desprezava-se a tradicional autonomia das Faculdades, a troco da putativa
“eficácia económica” neoliberal resultante de uma gestão centralizada no
CEO/Reitor.
Tendo o novo CG tomado
posse, foi evidente que era minoritário o apoio que o “Regulamento da UP”
recebia por parte dos membros do novo CG. Mais importante do que isso, o
presidente do CG empreendeu, por sua própria e muito louvável iniciativa, uma
detalhada análise jurídica do “Regulamento da UP”, tendo elaborado um
circunstanciado parecer em que identificou várias ilegalidades no documento,
nomeadamente devido a conflito com o que está estabelecido no RJIES, a lei que
regula o funcionamento das universidades públicas portuguesas.
O “Regulamento da UP”,
por estar ferido de ilegalidade, foi definitivamente esquecido e assim
derrotada a tentativa de transformar a governação da UP numa gestão
centralizada, de tipo empresarial, menosprezando a autonomia das Faculdades.
2. Aprovação de Novos Estatutos
da UP Consagrando a Autonomia das Faculdades
Sendo um dos atributos do
CG a alteração dos Estatutos (desde que tenham passado pelo menos 4 anos sobre
a sua última revisão) e, na sequência do encerramento do dossier do
“Regulamento da UP”, foi julgado pertinente fazer uma reflexão aprofundada
sobre os Estatutos da UP, alterando o que se julgasse necessário. Isso levou à
elaboração de uma proposta de novos Estatutos para a UP, em que, nomeadamente,
ficou consagrada a autonomia das Faculdades. Esta proposta de novos estatutos foi
aprovada por unanimidade pelo CG. Nela ficou estabelecido que são as Faculdades
quem escolhe o seu diretor, e que o orçamento de cada Faculdade não está
sujeito a decisão discricionária por parte do Reitor.
Os novos estatutos da UP
estão em consonância com o modelo democrático de gestão universitária que
consagrou o princípio de subsidiariedade que inclui a autonomia financeira das
Faculdades. De igual modo, a escolha dos dirigentes de cada Faculdade é
feita por quem lhe está próximo, ou seja pelos membros da própria
Faculdade, através dos seus representantes eleitos. Vale a pena recordar que o
Estado atribui a cada Faculdade do Ensino Público um financiamento que é
baseado no custo-padrão da formação de cada um dos seus estudantes, custo este
que é definido pelo próprio Estado, o qual é multiplicado depois pelo número de
estudantes da Escola, para finalmente se obter o montante financeiro total que é
atribuído pelo Estado à Faculdade. Apesar do orçamento de cada Escola ser
veiculado através da Reitoria da Universidade, esse financiamento é reflexo da
decisão do Governo relativamente ao montante que corresponde a cada uma das Faculdades.
DISFUNCIONALIDADES DO CG
1. Desequilibrada Representação
das 14 Faculdades no CG
No atual CG têm assento
12 representantes dos professores (para um total de 23 membros). Apenas
metade (7 em 14) das Faculdades da UP estão representadas por professores seus no
CG. Sete dos doze representantes dos professores no CG são de duas
únicas Faculdades (4 de Engenharia e 3 de Medicina). Legalmente é possível
aumentar o número de membros do CG, já que segundo o RJIES, o CG pode ter de 15
a 35 membros. É portanto possível que o número de representantes dos
professores no CG seja igual ao das 14 Faculdades (envolvendo essa possível alteração
um aumento proporcional dos representantes dos estudantes e dos funcionários
não docentes no CG).
Feito este aumento, tornar-se-ia
possível aprovar um novo regulamento eleitoral para o CG prevendo que cada Faculdade passasse
a eleger o seu representante no CG. Ou seja, o CG seguiria a mesma
lógica que foi adotada para o Conselho Europeu em que cada país, grande ou
pequeno, tem um único representante neste conselho. Aquando da Revisão do
Estatutos da UP pelo atual CG, fiz uma proposta de aumento para 14 do número de
representantes dos professores no CG para no futuro passarmos a ter todas as
Faculdades representadas no CG. A minha proposta não foi aceite porque vingou a
filosofia de que os professores eleitos para o CG não representam as Faculdades,
mas sim a Universidade em geral. Lembrei que cada professor que faz parte do CG
foi eleito, quase em exclusivo, com os votos dos professores da sua própria Faculdade
(todos os votos que me elegeram foram do ICBAS, e todos os professores do CG,
sem exceção, foram eleitos com pelo menos 95% de votos de professores da sua
própria Escola). Contra a minha proposta foi também apresentado o argumento de
que já existe um Conselho na UP que segue a lógica de Uma Faculdade/Um
Representante (o dos Diretores de Faculdade). Esquece-se que o Conselho de
Diretores é um órgão meramente consultivo, não elege o Reitor, um atributo do
CG, nem tem poderes deliberativos, como os que são exercidos pelo CG.
2. Perigos da Eleição do Reitor
por um Reduzido Colégio Eleitoral
Sendo o Reitor eleito
pelo CG, a acima referida desequilibrada representação das Faculdades
no CG poderá também desequilibrar a eleição do Reitor a favor
das Faculdades mais representadas no CG. Poderá ser uma mera coincidência,
mas o atual Reitor é professor da Faculdade com maior número de representantes
no reduzido colégio eleitoral que o escolheu. Acresce que os membros externos à
UP que pertencem ao CG são escolhidos por proposta e voto dos membros da UP
eleitos para o seu CG, havendo assim o perigo de se refletir nesta escolha a assimétrica
representação que as Faculdades têm no CG.
É também problemático
que, sendo o Colégio Eleitoral do Reitor constituído apenas por 23 elementos
que, antes do último ato eleitoral, tenhamos assistido a lobbying por parte de vários dos candidatos
junto de cada um dos membros do CG (é que são apenas esses 23 votos que
contam para a eleição do Reitor!). Isso não dignifica o cargo, nem a Universidade.
Seria preferível retirar ao CG o atributo de eleger o Reitor, sendo o Reitor antes
eleito por um colégio eleitoral alargado e constituído por várias centenas de representantes
provenientes de todas as Faculdades da UP, como foi prática na nossa Universidade
até à aprovação do RJIES (o Reitor era escolhido pelo voto secreto dos membros
da antiga Assembleia de Universidade).
3. Planos de Ação Anuais,
Quadrianuais e Estratégicos Longos, Palavrosos e não Sujeitos a Escrutínio a Posteriori. Apenas um Cumprimento Masoquista
da Lei?
A aprovação de Planos de
Ação ou de Estratégia do Reitor (anuais ou para o quadriénio) é uma exigência
legal do RJIES, que naturalmente tem que ser cumprida, mas cujo benefício para
Universidade é difícil de perceber. Têm estes Planos constituído extensos documentos
de árdua leitura, apesar do moderno grafismo e da qualidade de produção com que
são apresentados. É que no grosso das suas páginas, estes Planos reúnem
sobretudo os textos enviados pelas várias Faculdades (que, ao fazê-lo, estão
também a obrigar-se a uma tarefa de que não anteveem benefício para as suas
Escolas). As contribuições das várias Faculdades para os vários Planos da UP
são bastante assimétricas (vão, por exemplo, desde 41 da FEUP e da FMUP, a 3 da
FCUP e 1 da FCUP). O texto do primeiro terço de cada um destes Planos é da
autoria da Reitoria que aí faz essencialmente uma compilação, em quadros
cumulativos, dos dados enviados por cada Faculdade, a que se junta uma série de
modernos “scoreboards”.
O que é apresentado como
Plano para o ano seguinte (ou para o quadriénio) é um texto longo e permeado de clichés
generalistas do género “a Universidade irá promover o ensino e a
investigação”, sem depois se precisar quais as medidas concretas para se atingirem
essas enunciadas boas intenções. Contém também cada um destes Planos um
conjunto de quadros com “scoreboards” que propõem metas numéricas a atingir
pela UP nos anos seguintes. Contudo, findo o ano e recolhidos os dados do
exercício anual, não é feito um relatório crítico que compare e interprete as eventuais
diferenças entre o que foi atingido e o que ficara previamente almejado nos
“scoreboards”.
Na realidade, sejamos
práticos, poucos serão aqueles que leem estes Planos, para além dos técnicos administrativos
que os têm que compilar e escrever. Se estes Planos não servem na prática para
orientar a gestão da UP e das suas Faculdades, pergunta-se: para
quê perder tempo a elaborar e a aprovar longos Planos que apenas compilam
lugares comuns? Se é só para
cumprir a lei, que se façam planos curtos; é que para inglês ver, 20 pgs
chegam. Bem sei que a elaboração de longos relatórios cheios de vacuidades, e
sem nenhuma consequência sobre o real, é uma das manias nacionais. Respeitando
este nosso traço cultural, exigido pela nossa peculiar legislação, não será de
bom senso que não se perca demasiada energia e tempo com o que é apenas o
cumprimento de um requisito burocrático?
A pouca importância real dos
Documentos de Plano e/ou Estratégia da UP é reflexo da orgânica da nossa
Universidade que saudavelmente considera, através do seus Estatutos, que as
suas Faculdades devem beneficiar de autonomia de governação (escolhem diretamente
os seus dirigentes) e financeira (os seus orçamentos são definidos pelo Governo
através da aplicação de fórmulas próprias). Um “copy and paste” dos Planos de
cada Faculdade seria o suficiente.
Tendo a Reitoria limitadas
as suas atribuições financeiras e de governação pela autonomia das Faculdades, mesmo
assim poderia ir para além da sua tradicional função de representação
institucional, dedicando-se a criar e a promover iniciativas aglutinadoras que
empolguem e dinamizem a Academia como um todo. E o CG poderia servir como um fórum,
entre outros, para a proposição, apresentação e discussão dessas novas
iniciativas da comunidade UP.
Mas não o é: o CG é convocado só para cumprir a obrigação de votar os estritos documentos
que exigem legalmente o seu voto.
4. Deficiente Fiscalização pelo
CG da Gestão do Reitor
Segundo o RJIES (art.82º, e), “compete
ao CG apreciar os atos do reitor ou do presidente e do conselho de gestão”. Ou seja, o CG é o garante perante toda a UP de
que existe um órgão atento às decisões do Reitor e que as pesa. Trata-se de uma
competência importante mas que é, no entanto, praticada com parcimónia na UP.
Desde logo porque a maioria dos membros do seu CG aceita o ponto de vista de
que as 4 reuniões anuais “ordinárias” (ou seja: o número mínimo que a lei
exige) são suficientes para “apreciar os atos do Reitor”. Reuniões
extraordinárias, para além das 4 “ordinárias”, só ocorrem quando o Reitor pede
a sua convocação, e ele só o faz quando a isso é obrigado por a lei isso lhe exigir,
em cumprimento de prazos, a aprovação pelo CG de vários documentos. Em cada
reunião, é habitual ser “Informações do Reitor” o primeiro ponto da agenda. Durante
cerca de meia hora, o Reitor apresenta então a lista das atividades cumpridas
durante o último trimestre, sem que o CG seja informado sobre as atividades que
planeia executar no trimestre seguinte.
Para “apreciar os atos do reitor […] e
do conselho de gestão”, o CG devia reunir mensalmente com o Reitor e com
o conselho de gestão para assim ser informado por estes órgãos sobre o
que acaba de ser decidido e sobre o que se pretende realizar no mês seguinte. Na
situação atual, o Reitor recebe a chancela de que a sua gestão está sujeita à
supervisão e aprovação do CG, já que este, legalmente, aceitou, ao ser
empossado, a responsabilidade de “apreciar os atos do reitor […] e do conselho
de gestão”. Na realidade o CG nunca recebeu qualquer ata das reuniões do
conselho de gestão, nem é possível, com reuniões de periodicidade trimestral,
verdadeiramente apreciar com cuidado a gestão do Reitor e da sua equipa
reitoral. Em conclusão: na prática, há apenas uma incompleta “apreciação dos atos
do reitor […] e do conselho de gestão” pelo CG. Em minha opinião, a
lei, no que a isto respeita, não é cumprida na sua inteireza.
5. Incompetência Técnica do CG para
a Fiscalização dos Orçamentos Propostos pelo Reitor
Uma das competências mais
sérias do CG é a de aprovar o Orçamento da UP, o qual lhe é proposto pelo Reitor.
Ao
aprovar, sempre sem alterações, o orçamento do reitor, o CG torna-se o garante
da sua legalidade e da sua adequação à UP, assim tranquilizando a Academia
que fica com a ideia de que existe um órgão que analisa criteriosamente o
documento orçamental.
Acontece que o CG não tem
capacidade técnica para fazer essa fiscalização: não há um único especialista
em economia/finanças no CG e, apesar de isso ter sido sugerido em várias reuniões
ao Reitor, nunca teve o Reitor a iniciativa de dotar o CG de meios técnicos independentes,
da área de economia e finanças, que permitam a assessoria da Comissão de
Finanças e Orçamento na redação do seu parecer sobre propostas orçamentais. O
presidente desta Comissão tem tido a louvável iniciativa de pedir por favor a
dois professores da Faculdade de Economia para graciosamente elaborarem dois
pareceres sumários, para assim ser ultrapassada a incompetência técnica dos
membros desta Comissão na escrita do relatório de apreciação da proposta de
orçamento submetida pelo reitor.
Para ser sério, o
trabalho de análise de qualquer proposta orçamental pela Comissão de Finanças e Orçamento
necessitaria de um par de assessores técnicos independentes (poderiam ser dois
estudantes de doutoramento em finanças da Faculdade de Economia) que
periodicamente estivessem disponíveis, a troco de remuneração e não apenas fazendo
um favor, a serem consultados pelos membros da Comissão. Na situação
atual, a Comissão e o CG votam e aprovam documentos orçamentais que não têm
capacidade técnica para escrutinar. É um faz de conta, com a desculpa de mau
pagador de o CG não querer atrasar ou bloquear o funcionamento da Universidade.
Confesso mea culpa por eu próprio ter
participado neste simulacro de fiscalização.
Confirmando a
incompetência técnica da Comissão para qualquer fiscalização orçamental ou
financeira, é pertinente recordar que na reunião do CG do passado dia 16 de
janeiro, o Presidente do CG considerou que seria adequado a Comissão de
Orçamento e Finanças passar a apresentar trimestralmente ao CG um relatório
do acompanhamento do plano anual de atividades, execução orçamental e controlo;
e inteirar-se do andamento de eventuais contratos de fornecimento de serviços
com entidades privadas ou até públicas da Universidade, tarefas estas
que a Comissão nunca cumpriu, devido à sua manifesta incapacidade técnica para
a tarefa, como acima referido.
Esta falta de efetiva fiscalização
financeira é particularmente importante quando a UP tem visto na última década
um progressivo crescimento da percentagem do orçamento da Universidade que é destinado
a gastos da sua Reitoria (a Reitoria já é a segunda “Faculdade” da UP,
logo depois da FEUP, em gastos anuais). É que o que a Reitoria gasta é deduzido
do bolo financeiro a distribuir pelas Faculdades. Não será legítimo imaginar
que com uma Reitoria gastando o que a Reitoria gastava há uma década, e não o
que gasta agora, a UP passaria a ter disponibilidade financeira para criar uma
nova Faculdade?