quinta-feira, 26 de março de 2015

Carta Aberta ao Prof. Nuno Ferrand sobre os Novos Museus da UP

Exmo. Sr. Prof. Nuno Ferrand,

Foi com enorme interesse e curiosidade que ouvi a sua exposição ao Conselho Geral sobre os futuros museus da UP que estão a ser criados sob a sua direção. Ficou combinado que após recebermos a cópia do PowerPoint que utilizou para ilustrar a sua palestra, nós, membros do CG, lhe faríamos chegar individualmente os nossos comentários sobre o empreendimento, já que o Presidente do CG decidiu na altura não disponibilizar tempo para nosso diálogo consigo durante a reunião.

Ao fim de quase duas semanas, recebemos hoje a prometida cópia do seu PowerPoint.
É altura de retribuir enviando-lhe as minhas reflexões que partilharei com os membros do CG e a comunidade UP através do meu blog.

O primeiro e mais importante desafio que lhe deixo é, para colmatar a falta de diálogo, o seguinte:

Faça uma apresentação pública dos seus projetos de museus a toda a comunidade UP e disponibilize-se a responder às perguntas da audiência. Assim, seria afastada a ideia que corre na universidade de que o Prof. Ferrand quando faz a sua apresentação dos museus que está a conceber invoca sempre estar muito atarefado para não se sujeitar a perguntas.

Como ponto preliminar sobre a sua apresentação ao CG, gostaria de lhe chamar a atenção para o facto de não ter referido o seu currículo na criação e curadoria de museus. Falou na exposição comemorativa de Darwin na Casa Andresen, mas essa, ao que julgo, foi organizada pela Gulbenkian.
De que museus já foi curador?
De que exposições foi comissário?

Como fui eu quem sugeriu a sua apresentação ao CG, tenho todo o gosto de, enquanto conselheiro da UP, lhe enviar várias perguntas, comentários e sugestões.
O que significa a sua intenção de “fazer coincidir o novo Museu da Ciência com o Centro de Ciência Viva do Porto” (que já existe)?
Da futura equipa do Museu, a única pessoa enumerada é a Dra. Cidália Duarte (com o cargo de Coordenação-Executiva). Quando pensa anunciar a sua equipa completa?

Abordo de seguida em separado os dois museus a criar na UP sob a sua orientação.

1.    Galeria da Biodiversidade.

a.       Considero excelente a sua ideia de oferecer maçarocas de milho assado aos visitantes para degustarem e, sobretudo, observarem as diferenças entre o milho andino, o milho local e o milho transgénico. Mais ideias criativas como essa são essenciais para marcar a memória do visitante: se tocar em objetos, como o fará com a maçaroca de milho, a experiência será transmitida por ele a outros potenciais visitantes da Galeria. Interatividade é a palavra-chave do museu moderno.

b.      A consonância com o Natural History Museum de Londres no que respeita ao esqueleto de baleia suspenso no grande átrio central é interessante. Cria um icónico laço com o mais famoso museu de história natural da Europa, mas não sei se será apropriado vangloriar-se com um “…mas nós estamos à frente”, quando a Galeria ainda não abriu.

c.       Embora compreenda que ainda seja cedo para revelar em detalhe a organização temática da Galeria, todos nós esperamos que não seja um somatório de animais empalhados, de esqueletos e de conchas de caracol, como é comum ver nos velhos museus de história natural espalhados por esta Europa fora.

d.      Obviamente que a evolução será sempre o guião, implícito ou explícito, num moderno museu de história natural. Dentro desse guião geral, eu seguramente gostaria de ver o museu fascinar-me com perguntas e respostas, como as que lhe apresento de seguida. Porque houve extinção periódica de espécies à superfície da Terra? O que são os saltos evolucionários e os seus fundamentos genéticos? Quais as grandes controvérsias científicas entre neo-darwinistas e darwinistas clássicos? Que animais foram extintos em Portugal e porquê? De que forma o Homem tem interferido com a sua própria evolução natural? Porque são as ilhas Galápagos um paradigmático museu vivo da evolução e os Açores não o são? Que lendas criaram as principais civilizações sobre a origem do Homem e dos animais? Com base na evolução, como será o Homem daqui a 10 000 anos?

e.       Sugiro-lhe que adquira algumas das peças do escultor taxidérmico António Pérez de grupos de animais em movimento (a Casa Andresen mostrou uma exposição deste artista em 2013) para decorar áreas estratégicas da Galeria. Estas belíssimas esculturas “quase vivas” não são esteticamente inferiores ao esqueleto de baleia. Um exemplo pode ser visto no seguinte endereço:
Já agora, tendo a UP recebido um espólio de Desmond Morris, é de não esquecer que ele foi um empenhado pintor, o que justificaria ter produção artística sua exposta em alguma parede da Galeria, com uma curta resenha a chamar a atenção para o autor e o seu papel como divulgador científico.

f.       Dar o braço à arte e decorar parte da Galeria da Biodiversidade com peças de pintura e escultura, por exemplo com os animais criados a partir de arame pelo escultor David Oliveira (que tem exposto na Galeria 111). Ver exemplo neste endereço:

g.      Um bom diretor de museu não tem que necessariamente ser um comunicador nato ou um professor empolgante e, por isso, pondero se o estilo bastante monocórdico da sua apresentação ao CG não terá desvalorizado o real valor dos seus projetos museológicos.

h.      Sendo a inauguração da Galeria em 2015, poderemos nessa altura ter a prova concreta do seu trabalho como criador de um novo museu de ciência. Essa apreciação oferecer-nos-á uma antevisão daquilo que há de esperar do empreendimento bem maior que será o novo Museu da Ciência da UP, e também dará algum tempo à UP para que lhe sugira eventuais alterações do projeto a inaugurar em 2017.


2.    Museu de Ciência da UP

  1. O facto de o Professor Jorge Wagensberg ter função de assessor na criação do Museu é seguramente uma potencial mais-valia do projeto que merece ser assinalada, tendo em conta a obra por ele realizada no CosmoCaixa em Barcelona.
  1. Mas não basta um bom assessor técnico, aconselho-o a, para além das apresentações públicas, fazer apresentações periódicas da evolução do projeto do Museu da Ciência a uma comissão de aconselhamento constituída por experts em Museus e Estética Performativa. Ganharia seguramente em solicitar a um grupo de especialistas para se reunir consigo num fim de tarde, mês sim, mês não, para assistirem a um PowerPoint de 45 minutos sobre a evolução do projeto e graciosamente lhe oferecerem as suas opiniões, conselhos e críticas. O criador dos futuros museus da UP poderia convidar pessoalmente para essa comissão de aconselhamento ad hoc, por exemplo, as seguintes individualidades: diretoras do Museu de Serralves, de Soares dos Reis e das Descobertas (de Miragaia, que lhe pode dar alguma ideia concreta do retorno económico dos museus), diretor do Centro Português de Fotografia, diretores dos Teatros Municipais e do S. João, Vereador da Cultura da CMP, Diretores das Faculdades de Belas Artes e de Arquitetura, Diretor do Centro de Artes da UC, Diretor da ESMAE, diretor do Teatro do Bolhão, etc. Seria em belo grupo para periodicamente fazer “brain storming” à volta dos futuros museus da UP em fase de criação. Reúna-se também periodicamente com os diretores e curadores dos atuais museus da UP e das suas Faculdades.
  1. Ao contrário da Galeria da Biodiversidade, pareceu-me que este Museu de Ciência está a ser organizado mais como um somatório de temáticas diversas do que como um espaço com uma narrativa homogénea (como acontece no “Musée des Confluences” de Lyon, ou na “Casa del Hombre” de La Coruña), uma colagem que pode ter o desagradável aspeto de manta de retalhos. É o que parece ao se juntar num mesmo edifício, salas de Mineralogia, Paleontologia, Herbário, Coleção de Conchas, Estátuas Africanas, Etnografia, Laboratório de Química do início do século XX, Dinossáurios, etc (pergunta-se: porque não juntar também a coleção do Egipto Ptolomaico e as peças de cerâmica da Grécia Clássica, talvez as duas coleções mais valiosas da UP).
  1. Um Herbário não é matéria de interesse para o grande público. Para além do espaço que ocupa, deve ser mantido para investigação na Faculdade de Ciências e não para ocupar espaço morto nos Leões. Idem para coleções de conchas marinhas.
  1. Para quê repetir uma área de zoologia, biodiversidade e evolução nos Leões se os temas já estão tratados na “Galeria da Biodiversidade”?
  1. Parece-me que urge criar a priori uma narrativa coerente do que o visitante vai encontrar no Museu, e testá-la com as comissões ad hoc de aconselhamento, isto antes que se inicie a distribuição dos espaços e dos mobiliários.
  1. Não foi referida na sua apresentação a reserva de algum espaço para exposições temporárias. Esse espaço poderia ser atribuído rotativamente às Faculdades da UP que quisessem organizar uma exposição deste tipo. Exposições temporárias são um “must” de um museu moderno.
  1. Com exceção do Laboratório de Química Ferreira da Silva, não me recordo de qualquer referência sua de integração dos conteúdos do atual Museu da Ciência da UP, nomeadamente da interessante exposição interativa de instrumentos de Física.
  1. É pertinente arrendar o claustro central para ser usado como espaço comercial, com ligação à Cordoaria, onde se realizem concertos noturnos de música de diverso tipo com apoio num bar/restaurante com mesas e cadeiras. Seria uma oferta às noites da movida portuense de quinta a domingo. Talvez o Hard Club ou o Jazz Club ou a ESMAE estejam interessados nesse aluguer.
  1. Parece-me arrendar porta lateral virada para a Praça de Lisboa para ser ocupada por pequena loja destinada a prova de vinhos do Douro e petiscos regionais. Uma âncora como um “Starbucks” também ajudaria a atrair visitantes ao Museu. Os museus puros são poucos frequentados se não possuírem uma coleção excecional, e a UP não a tem.

1 comentário:

  1. Paulo Gusmão Guedes17 de abril de 2015 às 14:56

    As sugestões do Prof. Artur Águas são, como nos habituou, resultado do pensamento de alguém perspicaz e que, parece-me, se preocupa genuinamente com o impacto que as iniciativas da U. Porto podem ter na comunidade. Não estou de acordo com tudo: por exemplo, a sugestão de, na Galeria da Biodiversidade, se perspetivar a evolução humana futura tem talvez uma maior componente de ficção do que de ciência. Também tenho algumas dúvidas de que - caso se pretenda aproveitar as coleções museológicas existentes - seja possível fugir totalmente do "somatório de temáticas diversas" que espelha, afinal, a forma como estas áreas do conhecimento foram organizadas - para efeitos de ensino ou por razões históricas - na U. Porto.
    Fiquei na dúvida relativamente à sugestão de aquisição de uma das esculturas de António Perez que estiveram na Casa Andresen, mas admito que o Prof. Águas esteja ciente de que está a dirigir esta observação precisamente a um dos comissários da exposição "Animais de Museu", à própria pessoa que teve a iniciativa de a trazer ao Porto.

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